domingo, 2 de setembro de 2007

O Existencialismo e a Liberdade

Liberdade

A Liberdade relaciona-se sempre com a Ação, está ligada à conduta do Homem. Uma ação livre é uma ação consciente e responsável, em que o agente pode responder, ou seja, ser responsabilizado pela ação que comete. Daqui pode deduzir-se que a Liberdade e a Responsabilidade estabelecem uma relação direta, na medida em que quanto mais livre se é, mais responsável se é, e o inverso também se verifica. A Liberdade é uma característica antropológica fundamental, visto estar ligada à aparição do Homem na Terra. A realidade humana nasce de uma tomada de consciência, o que nos leva a crer que a nossa Liberdade tem o seu lugar na nossa consciência. Pode assim afirmar-se que o espaço da Liberdade é um espaço mental. Nós, à medida que vamos crescendo e evoluindo enquanto indivíduos e seres humanos, vamos ganhando consciência da nossa Liberdade. Além disso, também vamos evoluindo e construindo a nossa Moral, vamos clarificando, ao longo da nossa vida, o que é certo ou errado, o que é o certo ou errado, o que é o bem e o mal. Sendo assim, a Moral não é possível sem a Liberdade, porque sem Moral não podemos fazer opções, e se não podemos optar então é porque não somos livres. A Moral ocupa-se da nossa Liberdade.

A existência é modo de ser finito e é possibilidade, isto é, um poder-ser. A existência, precisamente, não é essência, coisa dada por natureza, realidade predeterminada e não modificável . As coisas e os animais são o que são e permanecem o que são. Mas o homem será o que ele decidiu ser. O seu modo de ser, a existência, é um sair para fora em direção à decisão e à automoldagem. Assim, a existência é um poder-ser e, portanto, é incerteza, problematicidade, risco, decisão, impulso adiante.
O ser-em-si só pode descrever-se analiticamente como "o ser que é aquilo que é". Relativamente ao ser-em -si, a consciência é o ser-para-si; isto é, presença a si mesma. A presença a si mesma implica sua cisão, uma separação interior no ser da consciência. A consciência está no mundo, no ser-em-si, mas é radicalmente diferente do mundo, não está ligada ao mundo. A consciência, que vem a ser a existência, isto é, o homem, é portanto, absolutamente livre. O ser-em-si é o ser que é o que é; a consciência não é objeto. O ser pleno e completo; a consciência é vazia de ser, é possibilidade, e a possibilidade não é realidade. A consciência é liberdade.
A liberdade, segundo Sartre , é a possibilidade permanente daquela ruptura ou nulificação do mundo que é a própria estrutura da existência. "Eu estou condenado, a existir para sempre para além da minha essência, para além dos móbiles ou moventes e dos motivos do meu ato: eu estou condenado a ser livre." Isto significa que não se pode encontrar para a minha liberdade outros limites além da própria liberdade: ou, se se preferir, que não somos livres de deixar de ser livres. A liberdade não é o arbítrio ou o capricho momentâneo do indivíduo: radica na mais íntima estrutura da existência, é a própria existência. Um existente que, como consciência, está necessariamente separado de todos os outros, já que esses se encontram em relação com ele apenas na medida em que existem para ele, um existente que decide do seu passado, sob forma de tradição, à luz do seu futuro, em vez de deixá-lo pura e simplesmente determinar o seu presente, um existente que se perspectiva através de algo distinto de si, isto é, de um fim que não é e que ele projeta no outro lado do mundo, eis aquilo a que chamamos um existente livre. É evidente que a liberdade não se refere tanto aos atos e às volições particulares como ao projeto fundamental em que eles se encontram compreendidos, o qual constitui a possibilidade última da realidade humana, a sua escolha originária. O projeto fundamental deixa sem dúvida uma certa margem de contingência às volições e aos atos particulares, mas a liberdade originária é aquela que é inerente à escolha do próprio projeto. E é uma liberdade incondicionada. A modificação do projeto inicial é a todo momento possível. A angústia que, quando revelada, manifesta à nossa consciência a nossa liberdade, testemunha a modificabilidade perpétua do nosso projeto inicial. Nós estamos perpetuamente ameaçados de nulificação da nossa escolha atual, perpetuamente ameaçados de escolhermos ser, e portanto tornar-mo-nos, diferentes do que somos. A nossa escolha é frágil pelo simples fato de ser absoluta: assentando sobre a escolha a nossa liberdade, colocamos simultaneamente a sua perpétua possibilidade de tornar-se um aquém ultrapassado pelo além que eu serei. Certamente, a liberdade do projeto inicial não é a possibilidade de fugir ao mundo e anular o próprio mundo. Se a liberdade significa fugir ao dado ou ao fato, ela é o fato do fugir ao fato. A liberdade permanece nos limites da fatualidade, isto é, do mundo. Mas esta fatualidade é indeterminada: a liberdade põe o mundo em ser com a sua escolha. Por isso o homem é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tudo o que acontece no mundo reporta-se à liberdade e à responsabilidade da escolha originária; por isso, nada daquilo que acontece ao homem pode ser dito inumano. As mais atrozes situações da guerra, as piores torturas não criam de fato um estado de coisas inumano. Não existe aí uma situação inumana: somente pelo medo, pela fuga ou pelo recurso a comportamento mágicos, decidiremos sobre aquilo que é inumano; mas esta decisão é humana e dela terei inteira responsabilidade. Sou eu que decido sobre a adversidade das coisas e até da sua imprevisibilidade decidindo de mim própria. Não existem casos acidentais: um acontecimento social que ocorre subitamente e me arrasta não é exterior a mim; se sou mobilizada para uma greve, esta é a minha greve, a minha própria imagem, e eu mereço-a. Mereço-a por que a escolhi, trata-se sempre de uma escolha.
É o homem que se escolhe: a sua liberdade é incondicional e ele pode mudar seu projeto original ou inicial a qualquer momento. O homem e só o homem é o ser para o qual todos os valores existem.
As coisas do mundo são gratuitas e um valor não é superior a outro. As coisas são desprovidas de sentido e fundamento e as ações dos homens são desprovidas de valor. Em suma, a vida é uma aventura absurda, onde o homem se projeta continuamente além de si mesmo, como para tornar-se deus. Escreve Sartre: "o homem é o ser que projeta ser Deus, mas, na realidade, ele se mostra como aquilo que é uma paixão inútil”.
O homem é fundamentalmente desejo de ser Deus. Deus não é senão este desejo mal sucedido. O ser-em-si do mundo e o ser-para-si da consciência se encontram num estado de perpétua ruptura com relação a uma síntese ideal que jamais existiu, mas que é sempre indicada, embora sempre impossível.
A liberdade consiste na escolha do próprio ser. E essa escolha é absurda. Assim o existencialismo sartreano afirmava a realidade dos homens, através da consciência como liberdade.